quinta-feira, 9 de julho de 2020

2016 - Nashville Sessions (Jake Shimabukuro)

Por Augusto Cavalcanti.

Antes de apresentar o Disco de Hoje, vou contar um pouco sobre como cheguei nele.

Eu e a Aline somos pais do Raul, um gurizinho de 1 ano e 4 meses super querido, cheio de alegria e que transborda energia. Como queríamos introduzir a percepção musical ao pequeno, com alguns meses antes dele completar um ano, compramos alguns instrumentos musicais, dentre eles dois violões de brinquedo. Um de plástico, que logo sucumbiu e outro de madeira, réplica de um violão convencional, mas bem pequeninho, menor que um cavaquinho. Vira e mexe o Raul pegava o instrumento, batia nas cordas pra fazer um barulho e nós “tocávamos” e cantávamos qualquer coisa pra fazer uma bagunça em casa. Tenho uma noção muito básica de música, e tentei desencavar um violão surrado que tenho em casa para tocar umas músicas infantis, mas como nunca me dediquei a aprender a tocar bem, o violão acabou competindo por espaço na nossa sala e foi pro saco novamente. Foi então que vi naquele violãozinho que ficava na bagunça de brinquedos, um potencial para afinação e de poder tocar algo básico, até mesmo pro Raul escutar as notas corretamente quando comparadas ao xilofone e ao tecladinho.

 

A escala dele é muito estreita, com as cordas muito próximas dificultando o posicionamento dos dedos, além de nunca conseguir afinar as duas primeiras cordas E e B. Aquilo era um saco, pois não conseguia montar alguns acordes básicos e não saia nada direito. Eis então que resolvi arrancar aquelas duas cordas rebeldes e transformar aquele micro violão. Próxima etapa seria o que ele se tornaria, um cavaco, um banjo, bandolin de 4 cordas ou ukulele. O banjo nunca me atraiu, já cavaquinho é tipo instrumento de sopro, se tu não tocar bem, só sai barulho, precisa de um baita treino de ritmo e batida para a mão direita, além de trocas rápidas nos acordes e dedilhados. O bandolin, que belo instrumento, minha mãe tem um lindo Del Vecchio Dinâmico da época de guria, mas que anda precisando visitar um luthier. Esse também me faz lembrar da infância escutando chorinho na casa do meu avô e de alguns shows do grande Hamilton de Holanda e Clube do Choro em Brasília, mas assim como o cavaco, dá um trabalho até sair alguma coisa decente e não era o momento para tanta dedicação. Só queria fazer um sonzinho para o Raul se divertir. Decidi por um ukulele, que me parecia ser mais simples de tirar uma balada e tem bastante material didático na internet. Depois de me livrar das cordas e dar uns bons apertos nas tarrachas, a afinação pegou, mas e agora? Pra que eu fiz aquilo se não sabia nenhum acorde no novo instrumento? No fim das contas, aquelas cordas que não afinavam, fizeram eu me acostumar a ter que encontrar as notas independentemente se a corda estava afinada ou não, e com um pouquinho de paciência no dedilhado, acabava saindo alguma introdução de música, tendo que me adaptar a cada dia a uma nova posição das notas no braço. Dessa forma, acabei me entendendo um pouco mais com a dinâmica dos instrumentos de corda e percebi que não seria um problema passar para um instrumento com afinação diferente.

Violãozinholele do Raul

Pronto, agora com um ukulele rudimentar, comecei a ver uns vídeos tutoriais no Youtube, sobre o instrumento em si e como tocar músicas infantis. Nesses vídeos, descobri alguns canais interessantes como do Marcelo Serralva (musicalização infantil), da Patrícia Salviano (musicalização para bebês), Grupo Canela Fina (musicalização infantil), Marcel Viana (músico que ensina umas batidas legais) e o João Tostes (ukulelista). O João Tostes é um ukulelista compositor renomado internacionalmente, é dele o primeiro álbum instrumental de ukulele produzido no Brasil, Naturae, além de ser pioneiro na educação do ukulele aqui no país. Toda essa história foi para falar sobre o Disco de Hoje. Através do canal do João Tostes, conheci o trabalho do havaiano Jake Shimabukuro, uma das maiores referência mundiais no ukulele e acabei escutando sua discografia, disponível no Spotify. Seu trabalho é bem diversificado e seus primeiros álbuns até confusos, que não seguem uma linha temática ao misturar músicas experimentais, pops e outras com caráter mais erudito. É como se tivesse acumulado muita ideia de produção no início de carreira e quis desovar tudo de forma aleatória em alguns álbuns. No meio dos 13 albuns tem muita coisa interessante, mas um deles em especial me chamou a atenção, foi o Nashville Sessions. Gravado por um trio, ukulele, baixo e bateria em 2016 e que foge dos conceitos mais tradicionais do ukulele. Tem uma abordagem bem progressista, com elementos do fussion, num contexto atual e ao mesmo tempo remetendo ao início dos anos 70, com a sintetização do Jazz e encontro com o Rock. Nesse tema, me lembro das sessões nas repúblicas da época de graduação na Praia do Cassino-RS, ouvindo a todo pau ou vendo os VHS de Mahavishnu Orchestra, Dave Brubeck, Passport, Call it Anything e Bitches Brew do Miles Davis, Meddle do Pink Floyd, Woodstock e Isle of Wight Festival, assim como tantos outros que eram apresentados com empolgação aos amigos sempre que alguém descobria algo “novo”. Neshville Sessions vai da euforia à tranquilidade e é um som legal para te dar inspiração, serve até para dar vontade de escrever uma história. 

Essa busca por um som no ukulele foi levando a um artista, que foi levando a outro, e assim conheci um diversificado mundo de um instrumento que para mim se resumia à simplicidade e à música tradicional polinésia. Nesses tempos de isolamento, ficar praticamente sem sair de casa com uma criança em pleno desenvolvimento dos estímulos sensoriais e ávida ao descobrimento do mundo, não é tarefa fácil. É um grande exercício manter o entretenimento educativo desse serzinho cheio de energia, e além das brincadeiras, desenhos e leitura, a música tem-se mostrado uma grande aliada. Hoje, depois de aprender alguns acordes no nosso protótipo ukulele, o Raul já aparece com ele na mão pedindo para tocar O Sapo Não Lava o Pé, Aram Sam Sam, Galinha Pintadinha ou fazer um rock progressivo DIY.

Ukulele, Seizi Maui Plus

Aquele instrumento trastejante de timbre engraçado e ordinário, continua na ativa, mas vem abrindo espaço para um legítimo ukulele entonado e com som límpido, trilhando um caminho a ser lentamente percorrido com a alegria da música tocada em casa.

 

PS: Muito obrigado à Kamile do Grupo Canela Fina pela gentileza de ter me enviado um balaio de cifras de músicas infantis. O trabalho de vocês é muito bacana.


2 comentários:

  1. Belo texto, Augusto. Parabéns pela educação que o Raul está tendo. Sou o Marco Antônio, do grupo Toca Ukulele Vip. A gente se fala mais lá! Aloha!

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  2. Que história!!!
    É isso mesmo, Augusto. Os sons que vc ouviu e os sons que seu rebentinho está ouvindo farão toda a diferença tanto para vc qto para ele e é certo que ambos já estão muitíssimo enriquecidos musicalmente e vão desenvolver muito mais a partir da percepção, da prática e do estudo da música.
    Parabéns!

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