O Disco de Hoje é difícil de "digerir", você provavelmente não vai gostar (até hoje não consegui fazer minha companheira gostar). Sempre brinquei que é muito mais fácil gostar de um sertanejo qualquer do que de Hermeto Pascoal. O sertanejo se parece com o que nos é bombardeado diariamente, você escuta uma vez e já sabe de cor, é previsível, digerível. O Hermeto você vai ter que ouvir várias vezes, mudar seu modo de ouvir, mudar o dia, o ambiente, a companhia, acostumar seu ouvido. Aí sim, com força de vontade e insistência, talvez você goste.
Voltemos ao André Abujamra, que é um cara com uma longa e multifacetada trajetória. Ator, cantor, compositor, multi-instrumentista, poeta, humorista. Era o líder da banda Karnak que fazia uma misturança entre 1992 e 2002, que vale a pena ouvir e provavelmente ainda vai ter um Disco de Hoje.
Este disco, segundo o próprio Abujamra, coloca música brasileira junto com ritmos dos bálcãs, africanos, indianos, rock e latinos que ele "absorveu como uma esponja" em suas viagens. Para mim, soa como uma orgia verborrágica e musical, com uma nova surpresa a cada música.
Começa com "Origem", música que, para mim, é ótima para pedalar, subindo a média de velocidade com o seu ritmo frenético de sopros e bateria. "Imaginação" aponta pensamentos de certo modo bizarros e é conclusivo: "o mundo de dentro da gente é maior do que o mundo de fora da gente".
"Lexotan" (com participação de Zeca Baleiro) brinca dizendo que "é mais fácil ser triste que alegre". "A pedra tem vida" é uma das minhas preferidas e tem uma poesia linda e profunda, apontando a beleza de pequenos detalhes (existentes ou não) e mostrando que a "beleza é o que está atrás do olhar", sempre com o mesmo trecho de sopros se repetindo incansável.
E o ritmo do disco vai aumentando até ficar alucinante, com exceção de "Tem luz na cauda da flecha", que é um reggae bem gostoso e um intervalo para respirar em "Logun Edé".
Depois de toda a loucura, temos um alívio em "Duvião" e a lindíssima e relaxante "Mafaro", que trazem um alívio. Este é um tipo de obra que eu gosto, que alterna entre músicas azucrinantes e aliviantes (uma fórmula comum em Arnaldo Antunes), pois depois de ser incomodado por uma música barulhenta e disforme, a música tranquila se torna ainda mais bela e apreciável.
Degusta aí!
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